ENTENDENDO A FÉ

O que é a fé, suas causas e consequências.


APRESENTAÇÃO



A fé é algo inerente ao ser humano e que influencia fortemente a vida de cada um. É muito curioso perceber quanto a fé está ligada às nossas experiências hodiernas, e como muitas vezes determina nossa história.

Diante desse fato, faz-se necessária esta reflexão: o que é a fé? Quais suas causas e consequências?

Espero contribuir para a compreensão destas questões e incitar um aprofundamento neste tema que é tão relevante à nossa existência.



Elderson Luciano Mezzomo

Belém, 18 de outubro de 2011.









  

1. O QUE É A FÉ?

A fé é a característica dos fieis, ou seja, qualidade daqueles que creem. Nesse sentido, ao se definir a fé, imprescindivelmente vincula-se o sujeito da fé: o fiel. Portanto, para entender a fé, é necessário entender o fiel, analisando as motivações e consequências, ou quais benefícios sua fé lhe traz.

A fé pode ser definida como a base da esperança. No conceito do Novo Testamento “a fé é o firme fundamento das coisas que se esperam” (Hebreus 11:1a) o alicerce, a justificação da esperança é sustentada pela fé. Nesta ótica a fé fundamenta algo que não pode ser sustentado de outra maneira, pois aquilo que se espera não existe (só existe pela fé), sendo o único recurso crer.

O autor da carta aos Hebreu completa: “(...) e a prova das coisas que se não veem” (Hebreus 11:1b). Além de fundamento, serve de argumento (prova) daquilo que não pode ser visto. Quando não se tem garantia e nem se pode provar por meio algum, resta a fé.

A fé é a interpretação da realidade, e esta interpretação se dá do presente rumo ao futuro, sempre aguardando. Não é sequer a interpretação de fenômenos sobrenaturais, mas sim, a interpretação sobrenatural dos fenômenos.

Ao interpretar-se a realidade, afasta-se dela, pois não se atém principalmente ao que é real, mas à interpretação, criando-se uma realidade paralela (irrealidade). Agora a interpretação passa a ter vida própria, sendo mais percebida que a própria realidade, a isto se chama de fé.

Nem sempre no sentido extremo, mas elementarmente a fé é a recusa em aceitar o real. Ao interpretar, buscando significado e dando sentido aos fatos, e confiar mais nesta interpretação que naquilo que é natural, a fé é um produto da mente humana, da razão.

A fé, portanto, pode ser conceituada como o uso da razão (racionalização-imaginação) para superar a própria (falta) razão dos fatos. É a tentativa racional de impor razão à realidade (própria e natural da razão). A fé deve ser entendida como a tentativa de compreender a realidade, de racionalizar para não raciocinar.

Os conceitos acima apresentados ficarão mais explícitos ao entender as causas e consequências da fé.

2. QUAIS AS CAUSAS DA FÉ?

Na incompreensão da realidade (inaceitação) e na tentativa desesperada de compreendê-la, infundindo-se uma interpretação “racional”, surge a fé: a fé nasce do desejo de crer.

A fé vem da busca de significado. A realidade é muito limitada, terrena, finita e perecível para que a razão aceite-a como é. Faz-se necessário uma compreensão maior, de que aquilo que somos e fazemos tem significado. O desejo de significado impõe uma interpretação, para a razão, deve haver uma razão de nossa existência. Como não são encontradas essas respostas naturalmente, a razão precisa fabricá-la, de alguma forma moldando esta realidade, harmonizando os fatos, dando-lhes significado.

A realidade nua e crua, que não se limita às leis racionais, a causa e efeito, que não pode ser controlada, que é por vezes violenta e injusta, até mesmo incompreensiva, tem que ser domesticada pela fé. A fé é o último recurso da razão, é o desejo de controle.

No desejo de controle encontra-se o desejo de segurança. É no instinto de sobrevivência que germina a fé, em sentir-se seguro quanto ao seu valor, ao compreender que sua vida e sua rotina, valem à pena, que tem um propósito de ser, que está no caminho certo. Para tanto, exige-se fé.

A fé tem sua origem também no desejo de esperança. Não apenas em imaginar um significado para o presente, mas em projetar o futuro. Para encarar a realidade estéril, dura e mórbida, recorre-se à fé, crê-se que “dias melhores virão”, o futuro será esplêndido, e se houver fé suficiente para crer na eternidade, melhor ainda.

A fé traz em seu bojo o desejo de alento, de conforto. É a tentativa racional de compreender o incompreensivo. Uma das faculdades da razão entra em cena: a imaginação. Cria-se uma interpretação (sobrenatural) dos fatos. A mente tende a confiar nessa interpretação motivada pelo desejo de conforto. Este desejo inclui a sensação de controle, significado, segurança e esperança, gerando sentimento de conforto. A fé tem como causa principal o desejo de sentir-se bem com a realidade, mas para isso precisa criar uma realidade paralela (interpretação dos fatos) pela fé.

3. QUAIS AS CONSEQUÊNCIAS DA FÉ?

O resultado da fé é inúmero. Desde resultados positivos até negativos. Positivos considerando-se melhora na qualidade de vida, motivação para enfrentar e superar obstáculos, capacidade de lidar com a dor e a perda, etc. Mas também negativos: viver uma fantasia, não viver o presente e postergar tudo para o futuro, atitudes fanáticas que desconsideram a realidade dos fatos, etc.

Para o escopo deste texto, serão abordados temas intrínsecos à própria fé, ou seja, consequências que (re)alimentam a fé, efeitos que justificam sua existência. As consequências da fé devem, portanto, satisfazer suas causas, sua razão de ser.

Uma consequência da fé é a valoração da realidade. A fé contribui com a razão para dar significado à realidade. A definição de valores (bem e mal, correto e errado, etc.) está intimamente ligada à fé. A interpretação (sobrenatural) dos fatos pode, por exemplo, definir se a morte de alguém valeu à pena (neste exemplo o fato natural é a morte, mas a interpretação desse fato depende da fé de cada um). A morte de Jesus Cristo pode gerar várias interpretações de acordo com a fé de cada um: para os cristão é um ato de amor (o Salvador); para os judeus representa fraqueza (o Messias deveria triunfar sobre Roma); já para os gregos era loucura (como pode alguém que não salvou a si mesmo ter poder para salvar outros?).

Outro resultado da fé é a sensação de controle. Mesmo que a realidade seja dura, cruel e injusta, para o cristão, por exemplo, “todas as coisas contribuem para o bem daqueles que amam à Deus” (Romanos 8:28) e tem-se a certeza (fé) da recompensa na eternidade. A fé traz o sentimento que o “mundo invisível” pode intervir na realidade, alterando os fatos, criando novas realidades.

Concomitante ao sentimento de controle surge o de segurança. O fiel não está mais à mercê da realidade, mas tem em si, pela fé, o poder de controlar (quase) tudo à sua volta. Pode inclusive intervir no tempo passado (perdão, remissão), presente e futuro (determinando os fatos, recompensa na eternidade, julgamento, etc.).

Esta sensação de segurança invade o tempo, pois mesmo que no presente a fé não esteja funcionando muito bem (não consiga alterar os fatos), ainda resta a esperança. A fé “prova” que nada é em vão, que tudo tem um significado, que há continuidade.

Como último recurso da razão, a fé (imaginação-interpretação da realidade) é o único recurso que se dispõe para saciar a razão humana, para aquilo que ela não consegue compreender e nem aceitar. Assim como na antiguidade cria-se que o trovão era “a voz de um deus bravo”, hodiernamente a fé sempre será usada para “explicar” aquilo que não pode ser compreendido doutra forma. A fé continuará sendo exercida como alento à razão, acalmando os “demônios do interior”.







4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A fé foi aqui descrita e apresentada como reação psicológica em relação à realidade. Enquanto houver razão e algo que não possa ser compreendido, haverá fé (Paulo em 1 aos Coríntios 13:13 prevê a extinção da fé na eternidade com Deus).

O objetivo é apenas compreender o que é esse fenômeno psíquico, suas causas e consequências psicológicas, do que emitir algum juízo de valor. No entanto pode-se afirmar que a fé será boa ou ruim ao se alcançar seus efeitos esperados, ou seja, a fé é necessária para aqueles que precisam de alguma interpretação sobrenatural para aceitar os fenômenos naturais, é praticamente uma questão de sobrevivência para a razão.

No mais, é relevante salientar que a fé, como fenômeno psíquico, é contagiante. Um otimista pode influenciar muitas pessoas, mas um pessimista também. Cabe a cada um racionalizar a realidade encontrando (ou criando sua fé) ou simplesmente, compreendendo o que é fé, raciocinar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário